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Os limites do uso da Empatia

Escrito por Adam Waytz

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Os limites do uso da EmpatiaAdam Waytz
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Há alguns anos, a Ford começou a solicitar a seus engenheiros, que eram a maioria homens, que usassem a Empathy Belly, uma espécie de simulador que permite experimentar sintomas de gravidez como dor nas costas, pressão na bexiga, 14 quilos ou mais em ganho de peso, etc. Para você ter ideia, eles podiam até sentir “movimentos” que imitavam os chutes fetais. A ideia com isso era fazer com que entendessem os desafios ergonômicos enfrentados pelas grávidas ao dirigir, o seu alcance limitado, mudanças na postura e centro de gravidade do corpo.

É difícil saber se a experiência melhorou os carros da Ford ou mesmo, se aumentou a satisfação dos clientes. Contudo, os engenheiros confessam ter se beneficiado pelo uso dela. Eles continuam usando a barriga postiça. Também estão simulando a visão embaçada e a rigidez nas articulações dos condutores mais idosos com um “aparato de terceira idade”. No mínimo, esses exercícios constituem certamente uma tentativa de “colocar-se no lugar de outra pessoa”, nas famosas palavras de Henry Ford, que considerava essa atitude, a chave do sucesso.

A empatia está em alta praticamente em todo lugar, não somente na Ford, e não só em relação a equipes de engenharia e de desenvolvimento de produtos. Está no coração da concepção do design e da inovação na visão mais ampla. Também é louvada como uma habilidade crucial da liderança, aquela que o ajuda a influenciar os outros em sua empresa, a antecipar as preocupações dos stakeholders* e a responder aos seguidores da mídia social. E até mesmo para realizar reuniões melhores.

(*) Stakeholders são as partes interessadas (em português). São as pessoas e as empresas que podem ser afetadas por um projeto ou empresa, de forma direta ou indireta, positiva ou negativamente. Os stakeholders fazem parte da base da gestão de comunicação e são importantes para o planejamento e execução de um projeto.

Porém, pesquisas recentes sugerem que todo esse alarde talvez seja intenso demais. Embora a empatia seja essencial para liderar e gerir, porque sem ela decisões desastrosas seriam tomadas, e os benefícios que acabamos de descrever, sacrificados - deixar de reconhecer seus limites pode prejudicar o desempenho individual e da empresa. Citarei alguns dos maiores problemas com os quais se pode deparar e recomendações para contorná-los.

Um breve resumo da ideia desse estudo

A SITUAÇÃO


Todos sabemos que a empatia é fundamental para a efetividade da liderança, para a gestão, desenvolvimento de produtos, marketing – enfim, praticamente qualquer aspecto de negócios que envolva pessoas. Mas, ela tem seus limites.

O PROBLEMA


A empatia nos onera mental e emocionalmente, porque não é um recurso infinito e pode até mesmo prejudicar nosso julgamento ético. É por isso que se demandarmos de nossos funcionários empatia demais, o desempenho poderá sair prejudicado.

A SOLUÇÃO


É possível tomar medidas para impedir os efeitos nocivos e promover as boas medidas. Por exemplo, fazer com que as pessoas se concentrem em determinados grupos de stakeholders, ajudá-las a atender às necessidades dos outros de maneira que também cuidem das suas, e oferecer a elas recessos de empatia de modo que possam renovar suas reservas.

Problema 1

Praticar Empatia é desgastante 

Da mesma forma que tarefas cognitivas pesadas, como guardar muitas informações ao mesmo tempo ou evitar distrações em um ambiente agitado, a empatia excessiva consome nossos recursos mentais. Assim, trabalhos que exigem empatia constante podem levar à “fadiga por compaixão”, uma incapacidade aguda de ter empatia que é originada pelo estresse e pode resultar em esgotamento, uma consequência que é gradual e pode se tornar crônica.

Profissionais de saúde e serviços humanos (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, agentes de correção) correm especialmente esse risco, pois a empatia é central ao seu trabalho cotidiano. Em um estudo com enfermeiras em uma clínica geriátrica, por exemplo, os indicadores-chave da fadiga por compaixão eram psicológicos: ansiedade, sentimentos de trauma, demandas da vida, e aquilo que os pesquisadores chamam de empatia excessiva, que significa a tendência de sacrificar suas próprias necessidades pelas dos outros (em vez de simplesmente “sentir” pelas pessoas). Variáveis como longas horas de trabalho e o volume pesado de casos também tinham um impacto, porém menor do que se esperava. E em uma pesquisa com profissionais de enfermagem coreanos, o seu relato de fadiga por compaixão eram um forte indicador de que deixariam o emprego em um futuro próximo.

Outros estudos com profissionais de enfermagem demonstraram consequências adicionais da fadiga por compaixão, como faltas ao trabalho e aumento nos erros de administração de medicamentos.


As pessoas que trabalham para instituições de caridade e ONGs (como abrigos para animais) também correm riscos. A rotatividade voluntária de pessoal é excessivamente elevada, em parte devido à natureza do trabalho, que exige bastante empatia; e a remuneração baixa exacerba o fator auto sacrifício. E o que é pior, as opiniões rígidas da sociedade em relação a como as instituições sem fins lucrativos devem operar fazem com que elas sofram uma repercussão negativa quando atuam como empresas (por exemplo, quando investem em “custos indiretos” para manter a empresa funcionando sem dificuldade). Espera-se que prosperem por meio de efusões altruístas de compaixão dos funcionários.

A demanda por empatia é também incansável em muitos setores. Dia após dia os gestores devem motivar trabalhadores do conhecimento ao compreender suas experiências e perspectivas e com isso, ajudá-los a encontrar sentido pessoal em seu trabalho. Profissionais de atendimento ao consumidor precisam continuamente amenizar as preocupações daqueles que os procuram, principalmente os consumidores ansiosos, causando um enorme desgaste. Enfim, a empatia é desgastante em qualquer contexto ou situação em que constitua um aspecto principal do trabalho.

Problema 2

Se um ganha muito da sua empatia outro irá perder 

A empatia não somente exaure energia e recursos cognitivos - ela também se esgota. Quanto mais empatia dedico ao meu cônjuge, menos me sobra para oferecer à minha mãe; quanto mais ofereço à minha mãe, menos posso oferecer ao meu filho. Tanto nosso desejo em ser empáticos e o esforço que isso exige são disponíveis em quantidade limitada, quer estejamos lidando com a família e amigos ou mesmo, lindando com clientes e colegas.

Consideremos este estudo: pesquisadores examinaram os trade-offs associados a comportamentos empáticos no trabalho e em casa ao fazer levantamentos junto a 844 funcionários de vários setores, incluindo cabeleireiros, bombeiros e atendentes de telemarketing. Pessoas que relatavam dedicar, no ambiente de trabalho, “algum tempo para ouvir os problemas e preocupações dos colegas” e para ajudar “os que estão sobrecarregados de tarefas” se sentiam menos capazes de se conectar com a família. Estavam emocionalmente esgotadas e sobrecarregadas por demandas relacionadas ao trabalho.

Algumas vezes o problema “se um ganha outro perde” leva a outro tipo de trade-off. A empatia em relação às pessoas “de dentro” - de nossa equipe ou de nossa empresa - pode limitar nossa capacidade de ter empatia pelas pessoas “de fora” de nosso círculo imediato. Naturalmente dedicamos mais tempo e esforço em compreender as necessidades de nossos amigos e colegas próximos. Simplesmente achamos mais fácil fazê-lo, pois, para começar, nos importamos mais com eles. Esse investimento desigual cria uma lacuna que é ampliada por nosso estoque limitado de empatia. À medida que consumimos a maior parte do que temos disponível com as pessoas de dentro, nossos vínculos com elas se tornam mais fortes, enquanto nosso desejo de se conectar com as de fora vai minguando.

A empatia preferencial pode criar um antagonismo com aqueles que nos veem como protetores de nosso próprio grupo. Pode também, de modo um pouco mais surpreendente, levar à agressão dos “de dentro” em relação aos de fora.

Por exemplo, em um estudo que realizei com o professor Nicholas Epley, da University of Chicago, observamos como dois grupos de participantes - aqueles que se sentavam ao lado de um amigo (para preparar a conexão empática) e aqueles que se sentavam ao lado de um estranho - associariam um grupo com o qual não se identificavam, por exemplo terroristas, com ideias particularmente negativas. Após descrever os terroristas, perguntamos até que ponto endossariam afirmações que os retratassem como sub-humanos, até que ponto aceitariam submetê-los ao afogamento seco e a quais voltagens de choque elétrico estariam dispostos a administrar. O simples fato de se sentar em uma sala com um amigo aumentava significativamente a disposição das pessoas em torturar e tratar aquele grupo como se não fossem humanos.

Embora esse estudo represente um caso extremo, o mesmo princípio vale para as empresas. A compaixão por nossos próprios funcionários e colegas algumas vezes pode produzir respostas agressivas em relação aos outros que não fazem parte do nosso "circulo de vínculos". Com mais frequência, os de dentro de um grupo simplesmente não têm interesse em ter empatia pelos de fora desse grupo - mas, mesmo isso, pode fazer com que as pessoas rejeitem oportunidades para colaboração construtiva entre todos.

Problema 3

Pode corroer a ética e o seu bom-senso

Finalmente, a empatia pode causar lapsos no julgamento ético. Vimos um pouco disso no estudo sobre os terroristas. Em muitos casos, o problema se origina não da agressão em relação aos de fora, mas sim de uma extrema lealdade em relação aos de dentro. Ao fazer um esforço concentrado para ver e sentir da mesma forma que as pessoas próximas a nós, podemos acabar tomando os seus interesses como nossos. Com isso, ficamos mais dispostos a fazer vista grossa para transgressões que acontecem fora desse grupo e, até mesmo, a nos comportar mal por causa dos interesses das pessoas próximas de nós. "Estou contigo para o que der e vir, p.ex."

Numerosos estudos de ciência comportamental e tomada de decisão demonstram que as pessoas são mais propensas a trapacear em favor de outra. Em contextos em que os benefícios são ora financeiros ou ora relacionados à reputação, elas fazem uso desse altruísmo ostensivo para racionalizar sua desonestidade. Só fica ainda pior quando têm empatia pela dificuldade alheia ou sentem a dor de alguém tratado de forma injusta; nestes casos, são ainda mais propensas a mentir, trapacear ou roubar para beneficiar tais indivíduos.

No ambiente de trabalho, a empatia em relação aos colegas pode inibir a revelação de informações de interesse público - e quando isso acontece, parece que os escândalos vêm na sequência. É só perguntar à polícia, aos militares, à Penn State University, Citigroup, J. P. Morgan e WorldCom.

Os crimes que afligiram essas empresas - brutalidade, abuso sexual, fraude - tendem a ser expostos por pessoas de fora que não se identificam com os perpetradores.

Em minha pesquisa com Liane Young e James Dungan, do Boston College, estudamos os efeitos da lealdade nas pessoas que utilizavam o Mechanical Turk, da Amazon, um mercado online em que usuários ganham dinheiro por concluir tarefas. No começo do estudo, pedimos a alguns participantes que escrevessem um ensaio sobre lealdade e a outros sobre imparcialidade. Posteriormente no estudo, os participantes eram expostos a um trabalho malfeito de outra pessoa. Aqueles que haviam recebido o incentivo pela tarefa da lealdade eram menos dispostos a chamar a atenção para o desempenho inferior do colega usuário. Essas constatações complementam a pesquisa que demonstra que o suborno é mais comum em países que recompensam o coletivismo.

O senso de pertencimento e a interdependência entre os membros de um grupo costumam levar as pessoas a tolerar, por causa da existência da lealdade excessiva, outros que possuem maior disposição a denunciar um colega por desempenho ruim ou conduta questionável. Em suma, a empatia por aqueles que estão dentro de nosso círculo imediato de "vínculos" pode obstruir o nosso senso de justiça e as nossas decisões éticas.

Solução | Como conter a empatia excessiva

Esses problemas podem parecer difíceis de tratar, porém para quem está na posição de gestora é possível fazer uma série de coisas para mitigá-los em sua empresa.

 

Divida melhor o trabalho e as responsabilidades entre as pessoas

Você pode começar ao pedir a cada funcionário que se concentre em um determinado conjunto de stakeholders, em vez de ter empatia com qualquer um e com todos. Algumas pessoas podem voltar sua atenção primeiramente aos clientes, por exemplo, e outras aos colegas. Pense nisso como se estivesse criando forças-tarefa para atender às diferentes necessidades dos stakeholders.

Isso torna menos desgastante o trabalho de desenvolver relações e reunir perspectivas. Você também alcançará mais resultados no total, ao distribuir entre sua equipe ou empresa a responsabilidade de “cuidar”. Embora a empatia seja finita para qualquer pessoa individualmente, é menos limitada quando distribuída e gerida entre os funcionários.

Faça com que não seja tão sacrificante praticar a Empatia

Nossa mente é capaz tanto de intensificar quanto de diminuir nossa suscetibilidade à sobrecarga da empatia. Por exemplo, exacerbamos o problema “se um ganha outro perde” quando supomos que nossos próprios interesses e os dos outros são fundamentalmente opostos. Isso costuma acontecer em negociações em que partes com diferentes posições não saem do lugar, pois estão obcecadas com a lacuna entre elas. Uma mentalidade de adversários não só nos impede de compreender e responder à outra parte como também nos faz sentir como se tivéssemos “perdido” quando não conseguimos que fosse do nosso jeito. Podemos evitar o esgotamento buscando soluções integrativas que sirvam aos interesses de ambos os lados. 

Tomemos este exemplo: uma negociação de salário entre um gestor contratante e um candidato promissor se tornará um verdadeiro cabo de guerra se tiverem diferentes números em mente e se focarem somente no dinheiro. Mas suponhamos que o candidato na verdade se importe mais com a segurança no emprego e que o gestor esteja intensamente interessado em evitar rotatividade de pessoal. Incluir a segurança em seu contrato seria uma situação ganha-ganha: um ato de empatia por parte do gestor que não consumiria suas reservas de empatia da mesma forma que uma concessão no salário faria, pois manter as novas contratações na empresa se alinha com aquilo que ele deseja.

Há somente uma quantia limitada de empatia, mas é possível alcançar "pontos em comum nesse tipo de negociação". Ao fazer perguntas em vez de deixar que as premissas não sejam questionadas, é possível trazer essas soluções à tona.

 

Dê períodos de descanso às pessoas

Como professor de gestão e empresas, não consigo conter um certo desconforto quando os alunos se referem aos cursos do meu departamento sobre liderança, equipes e negociação como “habilidades sutis”. Compreender e responder às necessidades, interesses e desejos de outros seres humanos envolve um dos trabalhos mais árduos de todos. Apesar de se dizer que a empatia vem naturalmente, é preciso um intenso esforço mental para entrar na mente de outra pessoa — e então responder com compaixão e não com indiferença.

Portanto, todos nós sabemos que as pessoas precisam de um alívio periódico do trabalho analítico e técnico e de trabalhos repetitivos, como digitar dados. O mesmo vale para a empatia. Procure maneiras de dar descanso aos funcionários. Não basta encorajar projetos autodirecionados que beneficiam também a empresa (e geralmente resultam em mais trabalho), como fez a Google em sua política de 20% do tempo livre para funcionários.

Encoraje e estimule as pessoas a dedicar um tempo para se concentrar somente em seus interesses pessoais

Pesquisas recentes constataram que as pessoas que fazem vários intervalos para descanso concentradas em si mesmas, posteriormente, relatam sentir mais empatia pelos outros. Isso pode parecer um tanto contra intuitivo, mas quando as pessoas se sentem restauradas, têm melhores condições de desempenhar as tarefas difíceis e responder ao que os outros precisam.

 

Como dar às pessoas um recesso em que deixem de pensar e cuidar dos outros? Algumas empresas estão adquirindo câmaras de isolamento, como as cápsulas do bem-estar e aprendizado da Orrb Technologies, de modo que as pessoas possam literalmente se colocar dentro de uma bolha para relaxar, meditar ou fazer o que quer que as ajude a recarregar as energias. Outras empresas, estão contando com intervenções bem mais simples, como fechar as contas de email dos funcionários quando estão em férias para permitir que se concentrem em si mesmos, sem interrupções.

Finalizando

Apesar de suas limitações, a empatia é essencial no trabalho. Assim, os gestores devem se assegurar de que os funcionários a estão investindo nela de forma equilibrada. Ao tentar ter empatia, geralmente é melhor falar com as pessoas sobre as suas próprias experiências do que fazê-las imaginar como possam estar se sentindo se estivessem no lugar de outros. Um estudo confirma isso: perguntou-se aos participantes até que ponto consideravam as pessoas deficientes visuais capazes de trabalhar e viver independentemente. Mas antes de responder à pergunta, alguns foram solicitados a concluir tarefas físicas difíceis enquanto usavam uma venda nos olhos. Aqueles que haviam feito a simulação da deficiência visual julgaram que as pessoas com essa deficiência eram bem menos capazes. Isso porque esse exercício havia feito com que se perguntassem “Como seria se eu fosse deficiente visual? ” (a resposta, claro, foi: muito difícil!). Porém, poderiam ter simplesmente perguntando "Como é para um deficiente visual ter a sua deficiência?". Essa constatação explica por que o uso da “barriga da empatia”, pela Ford, embora bem-intencionado, é muitas vezes enganoso. Após utilizá-lo, os engenheiros podem superestimar ou identificar incorretamente as dificuldades enfrentadas por condutoras que de fato estão grávidas. Portanto, pode não surtir o efeito desejado.

Por fim, simplesmente falar com as pessoas, perguntar como se sentem, o que desejam e o que pensam, pode parecer simplista, mas tende a produzir resultados mais confiáveis. É também menos oneroso para funcionários e suas empresas, pois envolve a coleta de informações reais em vez de especulações infindáveis. É uma forma de empatia mais inteligente.

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Sobre o autor:

Adam Waytz é professor associado de gestão e organizações na Kellogg School of Management da Northwestern University.

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